A Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular) atualizou, no final do ano de 2023, a lista de leituras obrigatórias para os futuros vestibulares da USP (Universidade de São Paulo). Foram listadas as obras que serão abordadas nas provas de 2025 a 2029. Entre elas, está Opúsculo humanitário, da escritora Nísia Floresta.
É essencial que os candidatos procurem ler, conhecer e estudar os livros com antecedência. Assim, para te ajudar na sua preparação para a prova do vestibular de 2026, compilamos um resumo completo sobre o livro de Floresta. Ao final da leitura, confira também a lista completa das leituras obrigatórias selecionadas pela USP, de 2026 a 2029!
Resumo do livro Opúsculo humanitário
O livro “Opúsculo humanitário” tem autoria de Nísia Floresta e constitui uma tese em defesa à educação das mulheres no Brasil oitocentista. Foi, em um primeiro momento, publicado em formato de folhetins nos jornais Diário do Rio de Janeiro e O Liberal entre os anos de 1852 e 1853, para posteriormente ser organizado em um livro, como uma coletânea de 62 artigos, em 1989, por Peggy Sharpe-Valadares.
Nísia Floresta, em sua obra, procurou defender a necessidade de uma educação formal e diferenciada para o público feminino, o que, no século XIX, se mostrava raro – o foco da educação à mulher situava-se no campo doméstico. Ela acreditava, como é possível observar em “Opúsculo humanitário”, que a educação seria um importante método para afastar a noção de inferioridade feminina que circundava o imaginário social da época – e que ainda mostra resquícios atualmente – e para tornar as mulheres melhores mães e esposas.
A tese construída pela autora é hoje considerada um marco para a luta feminista e pelo direito à educação para mulheres. Floresta, no entanto, aborda outras relevantes questões em seu livro, como as estruturas sociais que tornavam viáveis a manutenção da exploração da mulher, a permanência da escravidão, a desvalorização da pessoa indígena e a intensificação das desigualdades sociais.
Panorama mundial da educação feminina
“Opúsculo humanitário”, de início, destaca a história da educação feminina no Brasil e no mundo, realizando comparações e análises com o objetivo de demonstrar o poder social transformador inerente ao provimento de uma educação diversificada às mulheres. Já nas primeiras linhas da obra, Nísia Floresta deixa claros seu posicionamento e seu apelo: “Enquanto pelo velho e novo mundo vai ressoando o brado – emancipação da mulher -, nossa débil voz se levanta, ná capital do império de Santa Cruz, clamando: educai as mulheres!”.
A autora prossegue, indicando que um traço relevante de nações civilizadas se mostrava na educação e na independência das mulheres. Ela menciona outras regiões do mundo e faz observações quanto às funções delegadas à mulher – considerada somente um “instrumento do prazer material do homem” e valorizada apenas por sua beleza física -, traçando paralelos religiosos em muitos momentos. Essas referências são de grande importância para Floresta, a qual, ao longo de todo o livro, vale-se das tradições cristãs para embasar sua tese. Ao mencionar, por exemplo, figuras femininas que na Bíblia protagonizaram notáveis acontecimentos, Nísia é capaz de evidenciar “já então não ser a mulher somente destinada a guardar os rebanhos, a preparar a comida, e a dar à luz a sua posteridade”.
A autora, então, busca provar que uma nação poderia ser apontada como civilizada somente quando valorizasse a educação feminina e a emancipação das mulheres. Ela aponta que logo encontravam a ruína os povos que ignoravam essas questões, ao contrário daqueles que se mostravam abertos a tornar uma pauta a discussão sobre a posição da mulher na sociedade. Nísia dá como exemplo a Grécia: “Os costumes da Grécia adoçaram-se, a mulher já não era ali um instrumento só de prazeres vãos e materiais. Ela associou-se aos trabalhos do espírito, que ocupavam os homens, e a civilização da Grécia apresentou-se sem rival ao mundo inteiro”.
Outras nações são citadas por Nísia Floresta em seu panorama do estado social da mulher, de modo que o leitor compreenda a conclusão da autora: a educação da mulher é, de fato, um “barômetro que indica os progressos de sua civilização”. A Alemanha, segundo a autora, à época era reconhecida por seu respeito aos direitos das mulheres e por estabelecer igualdade entre homem e mulher no casamento, e Nísia indica que a mulher germânica dispunha de vantagens em relação às mulheres antigas e modernas. Já a educação da mulher inglesa, conforme Floresta, compreendeu algo a mais: a educação feminina precisava ter como base a religião. Tratava-se, para Nísia, de uma verdade não entendida por outras nações e a vantagem da Grã-Bretanha sobre outras regiões.
A autora também recomenda obras estrangeiras escritas por mulheres em “Opúsculo humanitário”. Ela assim o faz com o objetivo de constatar que mulheres poderiam participar efetivamente da cultura nacional e dos espaços públicos, sugerindo, desse modo, mudanças na sociedade – inclusive em aspectos além da pauta feminina. A autora buscava comprovar, nas palavras dela, “que a educação moral deve ser, como já temos observado, a base de toda a instrução da mulher, a fim de que ela se não desvie da senda das virtudes que a farão sair vitoriosa do labirinto da vida, onde tem de lutar com o monstro da sedução”.
Uma das autoras citadas por Nísia é Harriet Beecher-Stowe, escritora por trás da obra “A cabana do Pai Tomás”. Por meio da menção feita a Stowe, Floresta não somente deixa clara sua defesa à educação religiosa e moral e à clara capacidade feminina de se colocar em discussões relevantes socialmente como também abre espaço para o debate sobre os horrores da escravidão. Nísia faz uma breve análise do livro “A cabana do Pai Tomás” e mostra ao leitor a denúncia às injustiças da política escravista relatada na obra, esta que buscou dar voz às vítimas. Desse modo, Floresta traz a sociedade brasileira à luz, com a esperança de que os jovens leitores da época conseguissem enxergar nas páginas da obra de Stowe uma representação da situação do Brasil e, assim, buscassem por mudanças futuras. Vemos, dessa maneira, que uma das lutas de Nísia Floresta era o abolicionismo.
O cenário brasileiro
Após esclarecer ao leitor o contexto educacional da mulher desde a Antiguidade, passando por variadas nações ao redor do mundo, Nísia Floresta inicia o debate sobre o cenário brasileiro fazendo um questionamento: “Povos do Brasil, que vos dizeis civilizados! Governo, que vos dizeis liberal! Onde está a doação mais importante dessa civilização, desse liberalismo?”.
Retomando o panorama realizado até então, a autora indica que, apesar de o empenho de outras nações para a emancipação das mulheres ter sido testemunhado, quase nenhuma ação era tomada para tal no Brasil. Todavia, tendo em vista o desejo de “ver o nosso país colocado a par das nações progressistas”, Nísia sentia-se impulsionada a tratar da educação da mulher no Brasil, e assim o fez, com a esperança de que seu ato motivasse outros a lutarem pela causa.
Dessa maneira, a autora prossegue na defesa de sua tese. Sempre ressaltando a importância da educação feminina para o progresso da nação, Floresta explana a situação educacional brasileira, em que os próprios intelectuais não se dedicavam a escrever sobre o status de inferioridade dado à mulher. A autora observa que o Brasil herdou de Portugal o desprezo pela educação das mulheres: “A glória das armas e das conquistas era a única a que aspirava o seu gênio belicoso. Dessa glória, porém, nenhuma vantagem resultava à mulher”. À mulher restava o título de servente de sua casa. Esse cenário foi estendido ao território brasileiro, junto, ainda, ao degradante contexto da escravidão. Aprofundando-se em sua contextualização, Floresta afirma que “nenhum recurso podia o Brasil oferecer à mulher que desejasse cultivar a sua inteligência”.
Nísia também faz críticas ao funcionamento das instituições de ensino da época. Até o início do século XIX, afirma a autora, não existiam escolas regulares e academias de ensino. Assim, aqueles que nutriam interesse pelos estudos precisavam se deslocar longas distâncias para obter alguma instrução. Se dessa maneira era, à mulher não restava nada: “Embalde tentaria ela instruir-se em qualquer outra coisa, a não ser nas ocupações materiais da vida doméstica, porquanto as lições que recebiam algumas meninas, nas casas intituladas escolas – onde, sentadas por terra em pequenas esteiras ou toscos estrados, abrindo de vez em quando, sobre a almofada de renda ou de costura que faziam com rigorosa tarefa, errados manuscritos, e a cartilha do Padre Inácio que lhes iam materialmente explicando – eram tão mal dirigidas e por vezes tão perniciosas, que tendiam antes a estreitar do que a dilatar-lhes o espírito, a viciá-lo, antes do que enobrecê-lo”.
Em muitos momentos, além disso, a autora se vale de preceitos critãos para embasar sua argumentação, uma vez que, para ela, uma sociedade essencialmente cristã estaria ferindo seus ensinamentos ao não valorizar a igualdade entre os cidadãos. Isso estaria relacionado não somente à questão feminista mas também à sua posição antiescravista e à defesa da pessoa indígena, pois nenhum tipo de desigualdade estaria de acordo com a moralidade religiosa: “Todos os brasileiros, qualquer que tenha sido o lugar de seu nascimento, têm iguais direitos à fruição dos bens distribuídos pelo seu governo, assim como à consideração e ao interesse de seus concidadãos”.
Floresta também aborda a suposta fragilidade feminina em “Opúsculo humanitário”. É discutido o imaginário da época de que a “fraqueza” corporal da mulher seria um de seus encantos, discurso que fortalecia a noção de inferioridade feminina e definia a mulher como imprópria para o estudo. Contudo, Nísia argumenta: “Se a natureza deu à mulher um corpo menos robusto que ao homem, não tem ela, por isso mesmo, mais precisão do exercício de suas faculdades intelectuais para que possa melhor preencher os deveres de filha, esposa e mãe, sem descer ao artifício?”. Além disso, Nísia discorda do pensamento geral oitocentista brasileiro de que a educação seria algo inútil e prejudicial à mulher. Retomando as discussões e comparações feitas ao longo do livro, ela aponta que seria ridículo pensar que “a ignorância é o melhor estado para o desenvolvimento das virtudes morais”.
Portanto, são vários e relevantes os argumentos da autora em prol da defesa da educação das mulheres. Nísia, em sua obra, tocou em diversos pontos sensíveis da sociedade da época e tomou iniciativas extremamente necessárias e que, mesmo que não de imediato, geraram transformações essenciais para o país.
A obra foi disponibilizada na íntegra pelo governo para acesso público por meio do site. Confira abaixo:
O que poderá ser cobrado na Fuvest?
Considerando o caráter progressista da obra de Nísia Floresta e os temas desenvolvidos em “Opúsculo humanitário”, seriam diversos os assuntos que poderiam ser abordados no vestibular. A publicação de seus artigos no século XIX, tendo em vista o contexto histórico e social da época, seria em si uma abordagem interessante, já que os escritos de Nísia podem ser considerados as primeiras manifestações feministas publicadas em jornais no Brasil.
Além disso, a relevância da discussão levantada pela autora na história da educação brasileira também constitui um ponto de atenção. O teor abolicionista da obra e as menções às desigualdades sociais da época compõem um interessante tema de análise no vestibular, assim como as críticas feitas ao patriarcado. O cruzamento literário feito e toda a contextualização histórica realizada por Floresta são outros pontos relevantes que poderiam ser cobrados.
Sobre a autora Nísia Floresta
Dionísia Gonçalves Pinto, conhecida pelo seu pseudônimo Nísia Floresta Brasileira Augusta – ou somente Nísia Floresta -, nasceu em 1810, em Papari, Rio Grande do Norte, e foi uma educadora, escritora e poeta brasileira. Era filha de um advogado português, o qual, liberalista, incentivava a paixão da filha pelos livros.
Essa paixão a levou a assumir o nome Nísia Floresta Brasileira Augusta para se dedicar à escrita. A escolha do pseudônimo se devia ao nome da fazenda onde nasceu e ao seu amor pelo Brasil e por Manuel Augusto de Faria Rocha, seu marido. Em 1831, o jornal Espelho das Brasileiras publicou uma série de artigos redigidos por Nísia, nos quais ela dissertava sobre a condição das mulheres no século XIX. Seu primeiro livro, “Direito das mulheres e injustiça dos homens”, foi publicado um ano depois, sendo uma tradução do livro “Woman not inferior to man”, divulgado por um(a) autor(a) ainda hoje desconhecido(a), de pseudônimo Sophia. O primeiro trabalho autoral de Nísia Floresta foi “Conselhos à minha filha”, livro reconhecido por ser a primeira obra de autoria feminina publicada no Brasil.
Nísia, em seus escritos, defendeu pautas sociais importantes, e sua luta em prol da educação feminina a levou, em 1838, a fundar o Colégio Augusto, exclusivo para meninas. Sua instituição de ensino possibilitou a essas meninas o estudo de matérias como matemática e português em uma época em que se valorizava somente a educação doméstica para as mulheres. Nísia Floresta foi um marco para a educação feminina e é considerada uma pioneira na discussão sobre o feminismo no Brasil.
Confira as leituras obrigatórias da Fuvest para os vestibulares de 2026 a 2029
Agora, saiba as leituras obrigatórias formuladas pela Fuvest para as edições de 2026 a 2029. Os títulos em negrito são referentes às obras inéditas em relação ao ano anterior do vestibular:
2026
- Opúsculo Humanitário (1853) – Nísia Floresta
- Nebulosas (1872) – Narcisa Amália
- Memórias de Martha (1899) – Júlia Lopes de Almeida
- Caminho de pedras (1937) – Rachel de Queiroz
- O Cristo Cigano (1961) – Sophia de Mello Breyner Andresen
- As meninas (1973) – Lygia Fagundes Telles
- Balada de amor ao vento (1990) – Paulina Chiziane
- Canção para ninar menino grande (2018) – Conceição Evaristo
- A visão das plantas (2019) – Djaimilia Pereira de Almeida
2027
- Opúsculo Humanitário (1853) – Nísia Floresta
- Nebulosas (1872) – Narcisa Amália
- Memórias de Martha (1899) – Júlia Lopes de Almeida
- Caminho de pedras (1937) – Rachel de Queiroz
- A paixão segundo G. H. (1964) – Clarice Lispector
- Geografia (1967) – Sophia de Mello Breyner Andresen
- Balada de amor ao vento (1990) – Paulina Chiziane
- Canção para ninar menino grande (2018) – Conceição Evaristo
- A visão das plantas (2019) – Djaimilia Pereira de Almeida
2028
- Conselhos à minha filha (1842) – Nísia Floresta
- Nebulosas (1872) – Narcisa Amália
- Memórias de Martha (1899) – Júlia Lopes de Almeida
- João Miguel (1932) – Rachel de Queiroz
- A paixão segundo G. H. (1964) – Clarice Lispector
- Geografia (1967) – Sophia de Mello Breyner Andresen
- Balada de amor ao vento (1990) – Paulina Chiziane
- Canção para ninar menino grande (2018) – Conceição Evaristo
- A visão das plantas (2019) – Djaimilia Pereira de Almeida
2029
- Conselhos à minha filha (1842) – Nísia Floresta
- Nebulosas (1872) – Narcisa Amália
- D. Casmurro (1899) – Machado de Assis
- João Miguel (1932) – Rachel de Queiroz
- Nós matamos o cão tinhoso! (1964) – Luís Bernardo Honwana
- Geografia (1967) – Sophia de Mello Breyner Andresen
- Incidente em Antares (1970) – Érico Veríssimo
- Canção para ninar menino grande (2018) – Conceição Evaristo
- A visão das plantas (2019) – Djaimilia Pereira
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