Hoje, 2 de dezembro, seria o aniversário de Dom Pedro II. Assista ao vídeo e entenda melhor quem foi Dom Pedro II:
Agora, entenda melhor o Segundo Reinado de Dom Pedro II.
O Império era o Café
Pensar a questão econômica do Segundo Reinado deve remeter automaticamente ao produto que representou a grande parte das exportações e divisas do Império de D. Pedro II: o café. E nos anos áureos do período, o Tempo Saquarema, especificamente o café produzido pela agricultura mercantil escravista, de caráter exportador, da região do Vale do Paraíba, na capital imperial, no Rio de Janeiro.
A região – formada pelos centros produtores de Vassouras, Resende, Barra Mansa, Valença e Cantagalo – chegou a produzir cerca de 70% do café que era exportado do país, constituindo-se durante muito tempo no principal pólo da economia nacional.
É importante ressaltar que, além da força econômica representada pelo Vale, a preeminência política exercida pelos homens da região, os Barões do Café, foi essencial para a manutenção daquele espaço, por muitos anos, como centro da economia imperial. Tal grupo agregava seu poder econômico e sua liderança política, representada pelo Partido Conservador, para garantir os interesses da agricultura cafeeira e a manutenção da ordem escravista, a mão-de-obra por excelência utilizada no Vale.
Entretanto, ao longo do Segundo Reinado, especialmente a partir da década de 1860, o modelo do Vale do Paraíba passou a apresentar claros sinais de esgotamento, seja pelos problemas naturais causados pelo desgaste do solo da região, seja por problemas relacionados à falta de competitividade em relação a outra região que despontava economicamente em torno da produção do café, o Oeste Paulista.
Inúmeros fatores proporcionaram o crescimento acentuado do setor cafeeiro no Oeste Paulista. Existia grande disponibilidade de terras pouco exploradas, especialmente na região do Rio Paraná, na divisa com Mato Grosso. Esta região de planalto possuía um terreno com inclinações suaves, adequado à prática agrícola. Além do clima temperado favorável, ali se encontrava a terra roxa, de alta produtividade. A existência de excedente de capital, oriundo dos negócios da exportação do açúcar e do algodão, também contribuiu muito para o crescimento do Novo Oeste, já que o investimento cafeeiro inicial foi realizado, em grande parte, sem empréstimos. Deste capital também vieram as máquinas de beneficiamento do café. Cabe ressaltar que a produção de café na região alavancava o desenvolvimento de uma espécie de infraestrutura que seria essencial para o futuro desenvolvimento industrial paulista, em especial com os investimentos em ferrovias para dinamizar o transporte do produto.
A economia cafeeira, ainda, estimulou os setores comercial e bancário. Desta região emergiu uma nova elite econômica, tradicionalmente identificada com novas técnicas de produção, com a modernização dos meios de transporte por meio das ferrovias e com a busca por alternativas para a mão-de-obra escrava: a Burguesia Cafeeira do Oeste Paulista.
Era Mauá
Durante o Segundo Reinado, enfrentou-se um grande dilema: como fazer o Brasil entrar no mundo capitalista, porém sem afetar a ordem social, assentada na produção cafeeira e na lavoura escravista? Deve-se adiantar que, enquanto teve força para tal, o Império preferiu sempre apoiar a manutenção da ordem cafeeira, muito por conta da elite política que se favorecia disso. Algumas conjunturas específicas favoreceram o desenvolvimento industrial, bem como a atuação de alguns personagens particulares que empreenderam diversos esforços em prol deste objetivo.
Dentre as conjunturas, a que propiciou um maior desenvolvimento da indústria nacional durante o Império foi a gerada pela criação da Tarifa Alves Branco, em 1844. Lançada num contexto de crise dos cofres imperiais, combalidos devido ao combate de diversas revoltas separatistas, muitas ainda provenientes do período regencial, ela aumentava os impostos sobre as importações de diversos produtos.
Os impostos variavam de 20 até 60%, dependendo da importância do produto para o mercado interno. Com a Tarifa Alves Branco, muitos produtos estrangeiros que chegavam ao Brasil com preços baixos, liquidando qualquer possibilidade de competição de uma indústria nacional, encareceram.
Dessa forma, coube aos ainda frágeis industriais brasileiros aproveitar a situação, investindo em setores e produtos estratégicos, que agora ganhavam competitividade em relação aos produtos importados.
A nova tarifa de fato possibilitou um desenvolvimento de certas áreas da economia. Entretanto, não teve vida longa. Recuperados os cofres imperiais, não havia mais necessidade de limitação das mercadorias estrangeiras. Dessa forma, em 1862, é criada a Tarifa Silva Ferraz, que na prática acaba com as determinações da Alves Branco. Mais uma vez em nossa História, prevalecia uma visão aristocrática baseada na crença de uma pretensa “vocação agrícola brasileira” e nas distinções sociais fundamentadas na escravidão.
O desenvolvimento industrial durante o Império também esteve intimamente associado à trajetória individual de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Por meio do estímulo as ferrovias – como, por exemplo, a mais importante via do sistema ferroviário paulista, a Santos-Jundiaí –, ao desenvolvimento da indústria naval – através do Estaleiro Mauá –, o estímulo a atividade bancária – por meio do Banco Mauá, McGregor e Cia –, entre outros empreendimentos, Mauá foi a melhor representação da tentativa de promover o desenvolvimento industrial durante o Segundo Reinado. Seus esforços, porém, não compactuavam, e de certa forma até ameaçavam a ordem escravista baseada na produção cafeeira. Por isso, ao mesmo tempo em que foi extremamente admirado, criou diversos inimigos na política imperial. Oriundo de atividades comerciais, o jovem Mauá desenvolveu uma visão política liberal. Foi chamado por muitos de um “homem a frente de seu tempo”. Tentou se aproximar do imperador D. Pedro II – promovendo obras de infraestrutura, principalmente na capital imperial, o Rio de Janeiro –, porém, não conseguiu resistir aos diversos boicotes perpetrados pelos políticos conservadores do Império.
A escravidão e a mão de obra imigrante
A escravidão era a base da sociedade brasileira desde os tempos coloniais. Funcionava como mão- de-obra na lavoura, símbolo de distinção para os donos de escravos, oportunidade de enriquecimento para quem os vendia. No século XIX, entretanto, em diversos níveis a escravidão foi sofrendo oposições.
Uma das mais poderosas foi a oposição externa, vinda da Inglaterra. A oposição inglesa, por um lado, possuía uma lógica moral de condenação à escravidão; por outro, uma lógica econômica de busca por novos mercados no Brasil, que seriam limitados pela prática do tráfico e da escravidão.
O governo da Inglaterra, cansado de esperar pelo cumprimento dos acordos firmados com o Brasil que visavam o fim do tráfico intercontinental de negros africanos – como, por exemplo, a lei regencial de 1831 que proibia o tráfico internacional de escravos –, decretou o Bill Aberdeen, em 1844. Este ato, que recebeu o nome de Lord Aberdeen, então Ministro das Relações Exteriores do governo britânico, concedia ao Almirantado inglês o direito de aprisionar navios negreiros, mesmo em águas territoriais brasileiras, e de julgar seus comandantes. Certa historiografia registra que a postura inglesa foi também uma reação às novas tarifas alfandegárias Alves Branco. O ato foi alvo de inúmeros ataques, inclusive na Inglaterra, onde alguns criticavam por pretender, dessa forma tornar-se “guardiã moral do mundo”. No Brasil, o Bill Aberdeen, entendido por muitos como uma represália da Inglaterra, provocou pânico entre os traficantes e proprietários de escravos e de terras. A consequência mais imediata foi o significativo, e paradoxal, aumento na quantidade e no preço dos escravos importados.
O governo imperial, nas mãos dos saquaremas desde 1848, temendo uma ação efetiva da Inglaterra, elaborou um projeto de lei, apresentado pelo Ministro da Justiça Eusébio de Queirós ao Parlamento, visando à adoção de medidas mais eficazes para a extinção do tráfico negreiro. Em 1850, o projeto virou lei tornando proibido o tráfico intercontinental de africanos e, criminosos, todos aqueles que estivessem envolvidos no comércio, sob a forma da Lei Eusébio de Queirós. O tráfico interprovincial continuou, assim como pequenas levas clandestinas de escravos. Mas sem sombra de dúvidas, a lei representava um entrave gigantesco para a manutenção do escravismo no Brasil Império.
Com as dificuldades que agora se apresentavam para o escravismo, novas alternativas de mão-de-obra deveriam ser criadas. E as opções ficariam diretamente ligadas a valores típicos do século XIX, que misturavam racismo, ciência e pensamento social. Pensava-se ser necessário um “branqueamento” da sociedade brasileira, marcada pelo grande número de negros e mestiços. Portanto, a melhor opção para o trabalho na lavoura, agora, seria o trabalhador branco europeu. Dessa forma, o país resolveria dois problemas: a “questão negra” e a da mão-de-obra.
As primeiras experiências de utilização do imigrante na economia cafeeira ocorreram no Oeste Paulista, uma vez que os barões do café, do Vale do Paraíba, faziam parte de uma sociedade de valores aristocráticos, agarrados no escravismo como forma de obtenção de status social.
Os primeiros acordos entre cafeicultores e imigrantes receberam o nome de “sistema de parceria”, no qual os europeus vinham para o Brasil endividados com os cafeicultores que pagavam a passagem e disponibilizavam habitação e comida para esses pobres que vinham na tentativa de “fazer a América”.
A promessa era de que logo eles teriam dinheiro para pagar suas dívidas e juntar dinheiro para comprar sua própria terra. Na verdade, os imigrantes acabavam se transformando em “escravos por dívida”. Não conseguiam pagar suas dívidas e muito menos adquirir terras, uma vez que as propriedades eram leiloadas a preços altíssimos.
Cabe lembrar que, pouco tempo depois da promulgação da Lei Eusébio de Queirós, criou-se a Lei de Terras, em 1850. A lei tornava a terra no Brasil propriedade imobiliária. Seu acesso, agora, seria por meio da compra, venda, ou leilões promovidos pelo Estado. Dessa forma, seria quase impossível para trabalhadores recém-vindos da Europa obter a quantia necessária para comprar terras no Brasil. Ao mesmo tempo que criava uma mercado imobiliário dinâmico para economia brasileira, a Lei de Terras concentrava ainda mais a estrutura fundiária no Brasil.
“Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, a política rural estava ligada a certa concepção de trabalho. Mas, enquanto a Lei Brasileira de 1850 dificultava a obtenção de terra pelo trabalhador livre, o Homestead Act de 1862, nos Estados Unidos, doava terra a todos os que desejassem nela se instalar”. (Adaptado de Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República. Brasiliense, 1985)
Com o fracasso do sistema de parceria, o governo brasileiro começou a atuar no sentido de atrair esses imigrantes. Através do “colonato” o governo financiava a passagem e a estadia do europeu e, algumas vezes, ainda davam ajuda de custo para que esses não se endividassem. Esse fluxo migratório continuou intenso durante a primeira república brasileira, assunto para os módulos futuros.