A origem latina da palavra corrupção vem de: apodrecer, romper, estragar-se.
A corrupção política estraga o espírito da pólis, da comunidade, do elo que nos une. Quem se corrompe politicamente trai o liame republicano da comunidade em favor de interesses próprios.
E aqui está o ponto: para que o corrupto consiga operar essa “traição”, ele precisa se desvencilhar, abandonar qualquer ligação com a comunidade. Por isso, ele reifica, desumaniza a pólis – e, portanto, é insensível à dor dos doentes que têm remédios desviados dos hospitais públicos, por exemplo. Ele não os vê, não os sente. Assim como não vê os mortos na tragédia de Mariana.
A Samarco é uma “empresa fachada” controlada por duas gigantes da mineração, a Anglo-australiana BHP Bilinton e a brasileira Vale. A Samarco sabia de um laudo de engenharia que apontava que “o contato entre a pilha de rejeitos e a barragem não é recomendado por causa do risco de desestabilização do maciço da pilha e da potencialização de processos erosivos”. A FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente) de MG já havia recomendado (recomendado?) reparos na barragem de Fundão. Pessoas sabiam dos riscos, nas empresas e no governo.Mas fecharam os olhos. Receberam vantagens.
E, negligentemente, nada foi feito. Bento Rodrigues deixou de existir. A lama já atingiu 500 KM. O Rio Doce foi considerado oficialmente morto. Desabrigados, 7 mortos, corpos sem identificação.
Assim, temos duas formas de interpretar tudo isso – e que aliás não são excludentes.
A primeira: os interesses do grande capital privado, associado aos meios de comunicação alienantes e banqueiros ávidos pelo lucro – o desrespeito dessas forças do mercado capitalista à vida humana (reificada, lembrem-se) explica Mariana.
A segunda: a ausência de espírito público, a fragilidade do vínculo que nos prende enquanto comunidade, a reificação do próximo em nome de interesses privados – a corrupção da República que aniversariou no domingo (e aqui não me refiro apenas ao governo) nos vulnerabiliza. E nos coloca ainda mais sob a ameaça de grande capital também reificador. Nossas instituições não nos protegem, mas se associam, se rendem, se corrompem.
Mas o governo espelha um espírito que está em todo o lugar. Em Ipatinga, por exemplo, os comerciantes aumentaram o preço da água mineral para aproveitar o “aumento da demanda” graças ao desastre ecológico.
Marianas acontecem todos os dias nos hospitais públicos, nas escolas públicas, nos desvios do INSS – e nem tudo é culpa do governo, do grande capital. É difícil assumir porque isso nos envergonha, mas precisamos superar o discurso de periferia que sempre nos coloca como vítimas. Nossa reformulação parte de uma reformulação do que entendemos como “ser uma nação”.
Por ora, urge ajudar.