Estado Islâmico – Há dez anos…

O mundo do Terror, assim como o da corrupção, é um mundo povoado de utensílios. Os utensílios, como dizia Octavio Paz, nunca são misteriosos ou enigmáticos, utensílios não tem uma história. São meras alavancas para um fim. São apanhados e descartados.
Há exatos 10 anos, Paris estava sangrando. Nos arredores da cidade, em Clichy-sous-Bois, ao fugirem de uma blitz da polícia, dois jovens – Bouna Traoré e Zyed Bena – morrem eletrocutados ao pisarem em fios expostos num terreno baldio. Irrompem distúrbios que colocam abaixo a cortina que ainda divide o centro da cidade mais visitada do mundo e sua periferia, povoada de imigrantes da África Ocidental, tratados como uma subclasse, acostumados à desesperança. A situação só seria plenamente contornada pela polícia em janeiro do ano seguinte, depois de centenas de prisões e feridos.

Saímos de 2005 e chegamos a 2015.

Através de um dedo cortado, a polícia francesa chega à identidade de um dos terroristas que acionou a bomba no Bataclan e matou 89 pessoas. Omar Mostefai, francês, um delinquente comum de 29 anos oriundo dessas mesmas áreas periféricas.

O Terror é injustificável porque não há justificativas que legitimem ver pessoas como utensílios, não importa qual seja a causa. Mas precisamos tentar explicá-lo se queremos combatê-lo.
A questão aqui é percebermos como o Estado Islâmico entendeu que explorar a segregação social é veículo poderoso para a obtenção de novos “membros-utensílios”. Cooptados, esses jovens matam outros jovens barbaramente. Não percebem que reproduzem cruelmente uma lógica labiríntica: querem deixar de ser utensílios, se tornando utensílios a serviço da morte de outros utensílios. O Terror reifica o que toca.

No território da Síria, onde insiste em montar um estado, um governo (ou califado), o EI tem uma estrutura muito bem organizada para o recrutamento de jovens membros. Jovens mesmo, crianças. A crueldade é que o EI promete sentido à vida de indivíduos ávidos por serem humanizados, percebidos, notados. E assim que consegue cooptá-los, automaticamente os transforma naquilo que eles querem deixar de ser: utensílios de uma guerra que abala nossos valores mais fundacionais: liberdade, igualdade e fraternidade.
Bandeiras da Revolução Francesa, lembram? Por isso, atacar Paris é tão simbólico.
O Terror em Paris mexe as nossas entranhas porque – de alguma forma – tudo aquilo que precisamos ser e defender enquanto comunidade foi fruto de lutas travadas naquelas ruas contra o absolutismo e os privilégios. O Terror, ao lado da injustiça social, da corrupção, da intolerância e da reificação do próximo são novos (novos?) estandartes ensaguentados da tirania que se erguem contra nós.
Marchemos.
A sexta feira 13 de 2015 ecoa a Marselhesa.

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