Por muito tempo, a ciência acreditou que tudo estava escrito em nossos genes, de forma que nosso código genético determinava 100% do que somos e que não haveria forma de modificá-lo. Afinal de contas, os genes que formam o nosso DNA possuem as principais informações sobre nós, pois são eles que instruem as células que definirão desde nossas características mais simples, como a cor do cabelo até as mais complexas como propensão a doenças, como diabetes.
Seguindo esse raciocínio, se fossemos observar duas irmãs gêmeas idênticas, ou seja, que partilham exatamente o mesmo DNA, esperaríamos ver ambas partilhando as mesmas características e, se caso uma desenvolvesse um câncer, por exemplo, esperaríamos o mesmo da outra.
Mas não é isso que acontece.
Isso porque se o ambiente em que ambas vivem, sua rotina, sua alimentação, exercícios, trabalho e experiências forem diferentes, elas começam a apresentar diferentes características e até mesmo a desenvolver doenças que a outra não tem.
E isso acontece por conta de algo que chamamos de epigenética.
O que é a epigenética?
Usando a etimologia da palavra a nosso favor, conseguimos desvendar um pouco da epigenética: “epi” é um prefixo grego que significa “sobre”/”em cima”/”por cima”. Ou seja, a epigenética é aquilo que está por cima da genética.
A epigenética é a capacidade que o corpo humano desenvolveu de ativar ou desativar alguns dos nossos genes de acordo com o ambiente ou o estilo de vida que levamos, mas sem alterar a sequência de nucleotídeos do DNA. Ademais, o conjunto de substâncias químicas que marcam o genoma e dizem as células o que fazer com cada um dos genes é chamado de epigenoma.
Mas como isso funciona?
Para entender, pense no DNA como um manual de instruções de como a célula funciona. O epigenoma funciona como dois marcadores de textos, um verde e um amarelo. Marcar um gene de verde é um aviso para célula não usá-lo e marcar de amarelo é um aviso dizendo que ele pode ser usado. Esses “marcadores de textos” são chamados de marcações moleculares epigenéticas.
Agora, explicando de forma científica:
Os genes no DNA são expressos quando lidos e transcritos em RNA, que é traduzido em proteínas por estruturas denominadas ribossomos. São principalmente as proteínas que determinam as funções e características de uma célula. Alterações epigenéticas podem aumentar ou interferir na transcrição de genes. A forma mais comum de interferência é o DNA ou as proteínas que o envolvem ficarem marcadas pelas marcas epigenéticas.
Cada célula de nosso corpo contém quase dois metros de DNA e, para que caiba dentro de uma célula, o DNA se enrola em um conjunto de proteínas chamadas histonas, formando uma estrutura compacta. Mas isso significa que a célula nem sempre tem acesso fácil aos genes.
É aí que entram as marcas epigenéticas, marcadores químicos que tem a capacidade de agir sobre essas estrutura, apertando ou soltando o DNA. Quando a parte do DNA fica mais apertada, a célula pode não ter acesso a informação de alguns genes e eles ficam desativados; já outras marcas podem desenrolar o DNA, tornando-o mais fácil de transcrever, o que aumenta a produção da proteína associada.
Exemplo: O grupo metila é uma das marcas mais conhecidas, que tem a capacidade de inibir a expressão do gene, ou desalinhando a maquinaria de transcrição celular ou fazendo com que o DNA se enrole mais firmemente, tornando o gene inacessível (ele está lá, mas foi silenciado). Esse processo é chamado de metilação.
E como nossa vida influencia o epigenoma?
Os marcadores epigenéticos que ativam e desativam os genes podem ser influenciados a partir de fatores como a alimentação, medicação, exposição química e até mesmo experiências sociais. As mudanças epigenéticas resultantes podem, inclusive, levar a doenças, desligando um gene que produz a proteína supressora de câncer, por exemplo.
Nossos pais e nosso epigenoma:
A maioria das marcas epigenéticas são apagadas quando os gametas se formam. Mas hoje, os cientistas acreditam que algumas dessas marcas sobrevivem, sendo passadas de geração em geração.
Dessa forma, a alimentação do seu pai ou da sua mãe pode afetar o metabolismo dos seus netos. Um estudo holandês demonstrou como esse processo afetou netos de holandeses que passaram fome durante a Segunda Guerra Mundial, levando-os à obesidade.
Além disso, escolhas feitas pelos nossos pais em sua infância e adolescência também nos influencia, por exemplo: se o pai tinha o hábito de fumar muito no início da adolescência, isso poderia contribuir para uma expectativa de vida menor para os seus filhos e até para seus netos.
E é mais do que isso, a natureza pode até ter encontrado uma maneira de passar traumas para as futuras gerações.
Em um experimento, cientistas fizeram com que camundongos machos associassem o aroma da flor de cerejeira com a dor provocada por choques elétricos. Os ratos procriaram e seus filhos ficavam nervosos quando sentiam esse cheiro, mesmo sem nunca terem recebido os choques. A terceira geração de camundongos (netos dos primeiros) também demonstrou ter mais sensibilidade ao aroma da flor de cerejeira do que a qualquer outro. Em seu DNA, os cientistas encontraram marcas epigenéticas em um gene responsável por codificar uma proteína receptora de odores. Em seu cérebro, esses ratinhos também tinham mais neurônios responsáveis por detectar o cheiro da flor de cerejeira.
Mas as experiências dos nossos pais também não necessariamente nos moldam.
As mudanças epigenéticas podem sobreviver a divisões celulares e nos acompanhar ao longo de nossa vida. Sendo assim, as nossas escolhas, nosso estilo de vida, tudo isso pode afetar nosso epigenoma.
Como a epigenética pode revolucionar a ciência?
A epigenética abre um enorme universo de possibilidades no mundo científico. Por exemplo, há estudos para criar medicamentos que permitem remover marcas do epigenoma que favorecem a aparição de certos tumores. Ela também pode revolucionar o tratamento de doenças como diabetes, lúpus e até o mal de Alzheimer e alguns vícios. A incógnita é como desenvolver tratamentos que atuem somente nos marcadores prejudiciais, sem impactar os positivos.
Compreender a epigenética é ser capaz de usá-la ao nosso favor, e influenciar nosso epigenoma de forma positiva. Nem tudo está escrito no nosso DNA.
Gostou das dicas? Para ler mais matérias do Blog do QG, clique aqui!