Religiosidade e Constitucionalidade: a antítese no poder

Em 1988, formula-se a Constituição brasileira atual. Dentre todas as prerrogativas jurídicas em questões de direitos e deveres do Estado-nacional encontra-se a laicidade. Essa, por sua vez, diz respeito a não-aderência por parte do Estado brasileiro a qualquer tipo de religião ou crença como oficial, ou seja, um Estado sem religião.

Ao contrário que muitos pensam, um Estado laico não corresponde a um sinônimo de ateísmo – descrença total a qualquer tipo de força sobrenatural – previsto na lei. O fator abstenção por parte da Constituição é uma simbologia ao respeito legal a toda e qualquer expressão religiosa, sem discriminações. Ser laico significa aceitar e respeitar, e não negar.

No entanto, a questão do respeito à jurisprudência da constitucionalidade da laicidade no país muitas vezes entra em contradição. O fato de haver uma cruz católica instalada no parlamento brasileiro é um dos exemplos de como o corpo político no Brasil inclina-se muitas vezes parcialmente para religiões de cunho cristão.

É muito importante ressaltar que o questionamento de tais fatos não representa uma afronta ao catolicismo ou às religiões de cunho cristão, mas sim, uma exigência ao respeito legal à laicidade constitucional. Não pode-se achar aceitável haver um forte movimento “Bíblia sim, Constituição não” no próprio Congresso do país. Não pode-se achar aceitável deputados promoverem discurso de ódio à religião afrodescendente, pois os mesmos representam o exercício do poder nacional.

O discurso da harmonia religiosa no Brasil, infelizmente, não passa-se de um mito social. Dia 02 de fevereiro, temos a comemoração ao dia de Iemanjá, como uma figura muito importante para o Candomblé. Dia 10 de Dezembro, temos o fim da Peregrinação islâmica. Dia 31 de maio, todos paramos nossas atividades, por ordem de Estado, para celebrar o corpo de Cristo.

E por quê? A institucionalização do Catolicismo em si na cultura social brasileira possui raízes coloniais. A Primeira Missa no Brasil em 26 de abril de 1500 – inserida em um contexto europeu de Reforma Protestante – deu início ao expansionismo cultural dos valores religiosos em pauta tanto em âmbito civil como político. Como religião oficial, o Catolicismo se mantém por 391 anos no país, até chegar ao estágio republicano de Estado laico (1891).

Não há problema nenhum na celebração oficial de Corpus Christi, porém passa a ser uma nova questão quando tratamos apenas dessa celebração e de outras cristãs como pontos facultativos previstos legalmente pela maioria dos Estados nacionais. O objetivo desse artigo não é criticar religiões em si, mas sim a parcialidade de tratamento do Estado brasileiro.

Corpus Christi é uma representação cultural importantíssima para o Brasil. Nele celebramos o mistério da Eucaristia para a tradição católica, o sacramento do sangue e corpo de Jesus. No entanto, cabe a nós entendermos que por mais que a importância da data tenha um peso forte devido à maioria católica – 87% da população -, não devemos a tratar como única. Não podemos excluir as manifestações de outras religiões, pois a laicidade do poder nacional – como já visto – denota respeito à diversidade.

Entender o processo de institucionalização de certos valores culturais na sociedade brasileira não torna-se imperativo à crítica a tais valores, mas sim a sua própria institucionalização como singular. O Brasil é heterogêneo demais para celebrarmos oficialmente apenas certas crenças nacionais, ainda mais com a constitucionalidade do Estado laico.

O tema de redação do Enem 2016 foi Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil. Confira a análise do tema:

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