130 anos da Abolição: simbolismos, rupturas e continuidades

A década de 1880 no Brasil Império foi crucial para os rumos tomados pelo país a partir de então. O crescimento mais efetivo do movimento abolicionista e do próprio republicanismo começou a ganhar espaço político e minar as bases do Reinado de Dom Pedro II.

Com o final da Guerra do Paraguai, o oposicionismo a Dom Pedro começou a ganhar mais adeptos de profissionais liberais, militares e até mesmo ex-escravos. Aqueles que foram alforriados por terem lutado pelo país retornam ao Brasil como heróis, porém ao mesmo tempo, se deparam com seus familiares sofrendo os castigos físicos e morais da senzala escravocrata. A contradição da política de Estado começa a ficar clara e abre-se uma margem para a contestação.

A abolição da escravidão em 1888 teve um caráter simbólico muito forte. Com a imagem do Império denegrida, a Princesa Isabel toma, como uma das últimas tentativas, uma medida de revitalizar a reputação do governo vigente: a Lei Áurea. O processo de alforria já era claramente encarado como algo iminente no país – até mesmo no continente – e “se tiver que ser alguém que tome esse passo, que sejamos nós.”.

Acabar com a escravidão também como uma manobra política surtiu efeito. Até hoje, muitos ainda enaltecem a imagem de Isabel como a “Princesa Heroína”, como se o crédito por todo o processo de abolição fosse da própria. No entanto, por mais que a figura de Isabel tivesse um papel decisivo na formulação da Lei Áurea, é muito perigoso encarar esse direito apenas vinculado a sua imagem, pois assim, ignora-se toda a luta do movimento abolicionista e todos as formas de resistência dos escravos brasileiros; ignora-se todos os suicídios, as automutilações, as rebeliões; ignora-se a luta escrava, como se eles fossem passivos de sua própria história.

Entretanto, vale salientar, que por mais que também tenha tido um simbolismo político muito forte, sem dúvidas nenhuma, a formulação da Lei Áurea em 1888 representou uma das primeiras vitórias da causa negra no país por igualdade. Muito se ouve que a lei não fora efetiva, pois o número de escravos da época já era muito baixo, porém essa retórica é falsa, pois também é muito perigoso encarar tal direito de maneira a menosprezá-lo.

A Lei Áurea enfim é assinada no dia 13 de maio de 1888, fazendo com que o Brasil entrasse para a história como o último país do Ocidente a abolir a escravidão. “Não há mais escravos no Brasil, revogam-se as posições em contrário”, dizia o documento constituinte de maneira simples e direta.

Em 1889, o Império cai. A tentativa de melhorar a imagem do Reinado brasileiro surtiu efeito para levar a Princesa à História, porém também desestruturou as bases do mesmo. Os cafeicultores do Vale do Paraíba retiram seu apoio a Dom Pedro II e seu governo é minado em seus maiores aliados, abrindo espaço para a República.

E o pós-1888? Nesse mês, completa-se 130 anos da abolição… e até hoje, o país não apresentou um projeto efetivo de inclusão social e integração da comunidade negra aos valores estruturados historicamente no país. Liberta-se o escravo, mas ele vira “o negro” e esse negro por sua vez não é visto como cidadão a princípio: é visto como “o negro”.

Abole-se a escravidão, mas 40 anos antes, formula-se a Lei de Terras (1850) que restringe o uso da terra no Brasil pela compra. Ou seja, escravo não teria como ter terra.

Abole-se a escravidão, mas a cultura escravocrata não é abolida do imaginário social. O negro ainda é visto como aquele escravo de antes.

Abole-se a escravidão, mas apenas como uma atitude política. O ex-escravo não é incluído na sociedade.

O dia 13 de maio é importante não como uma comemoração, mas sim como uma data a ser refletida. A preservação da memória de acontecimentos históricos não deve ser evitada pelo seu caráter cruel de ponto de vista humanitário. Exatamente por ser cruel é que deve ser lembrado.

O papel da História não é lembrar-nos dos dias importantes dos acontecimentos, mas sim de suas interpretações como um sistema de causa e consequência da atuação humana e trazer para o debate presente questionamentos sobre as continuidades e rupturas com o status quo de sua época. Seja para condenar ou enaltecer, a História nos traz um panorama para formar e desenvolver o raciocínio crítico como seres pensantes que somos.

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