Por Andréa Soares
Boa saúde, emprego relativamente estável em uma multinacional, chefes bonzinhos, contato constante com família e amigos, viagens nas férias, faturas do cartão pagas em dia, casa próxima ao mar. A vida dessa pessoa não parecia ser difícil. E não era mesmo. O que faria alguém sentir-se tão insatisfeito e com uma queimação na boca do estômago a cada toque do despertador?
Por muito tempo acreditei que essa sensação fosse mero capricho ou uma leve ingratidão. Viver em um país ainda repleto de problemas como o Brasil e ter acesso às oportunidades que eu tive poderia ser motivo para simplesmente ignorar aquele sentimento, que ora se manifestava na minha mente ora no meu corpo. Mas a aflição, a dor abdominal e a queda incessante de cabelo estavam ali para mandar um recado.
Desde criança manifestei a vontade de me tornar médica. Era uma boa aluna no Ensino Fundamental e no Médio, não chegando a ser exatamente brilhante nos últimos anos de escola, mas o suficiente para conseguir boas notas e alguns elogios. Para a família eu seria, finalmente, a primeira a ostentar o termo “Doutora” junto ao meu nome.
Com o passar dos anos, acabei criando mais afinidade com as matérias de Humanas, e, embora ainda gostasse bastante de Biologia, não acreditava que eu seria capaz de passar para Medicina, por, na minha cabeça, não ser boa o suficiente. Mais um daqueles erros que cometemos quando somos jovens demais para fazer uma escolha tão difícil que é a da carreira. Misture pouca idade com insegurança e um pouco de pressão de outras pessoas, e será difícil fazer uma escolha acertada.
Acabei optando por Comunicação Social e alguns anos depois eu me formaria pela UFF. Se minha vida acadêmica e profissional pudesse ser representada por uma linha, seria praticamente reta e na horizontal: sem grandes altos ou baixos. Por mais que alguns chefes nos estágios e empregos onde atuei me fizessem elogios, no fundo minha impressão era a de que se tratava de um mero incentivo ou papinho motivacional para apenas me manter assídua ao trabalho e executando minhas tarefas. Ao longo de quase oito anos de carreira, já aos trinta anos, mesmo com aumentos de salário, promoções e reconhecimento, não havia o que me fizesse sentir verdadeiramente realizada ou com a perspectiva de que algo melhoraria nesse sentido. Foi quando eu percebi que algo precisava ser feito, eu finalmente tomei coragem e fiz o vestibular para Medicina, optando pelo ENEM para as federais e pela UERJ.
Não foi apenas a insatisfação com a minha carreira que me fez tomar a decisão. Ao longo de todo esse tempo, quase todas as situações que envolvessem médicos, consultórios e hospitais só me faziam lembrar do que eu deveria ter feito anos atrás. Quando por fim tomei a decisão, programei-me financeiramente e psicologicamente para essa virada profissional. Busquei terapia por alguns meses e usei minhas economias para ficar um ano apenas estudando. Pedi demissão e me matriculei em um curso presencial, além de ter assinado um curso online que serviria como fonte de consulta (o que seria de mim sem o QG do Enem?). Abri mão da minha rotina de saídas, viagens e gastos por motivos óbvios: tanto pela falta de tempo como pela falta de dinheiro. Hoje percebo que sou capaz de viver com muito menos do que julgava necessitar.
Minha rotina de estudos era intensa, mas eu fazia questão de ter meus momentos de descanso. E Netflix. Quando possível encontrava família e amigos, embora tenha “furado” muitos eventos. Estudava todas as manhãs no curso presencial, de 7h às 13h20, e tinha aulas às quartas e sextas à tarde. Aos sábados e domingos, eu tinha simulados na parte da tarde e em vários desses dias fiz, pela manhã, cursos mais específicos para a UERJ e o ENEM. Fiz questão de comparecer a todos os simulados que me foram oferecidos – seis no curso presencial e quatro na modalidade online, no site do MEC, fora os simulados discursivos – o que me permitiu traçar minha estratégia de como fazer as provas, outro ponto importantíssimo para quem faz o vestibular.
Mesmo estando há mais de dez anos sem estudar nada relacionado a vestibular, contou ao meu favor a maturidade e a vivência de uma série de situações que me fizeram assimilar o conteúdo com mais facilidade. Por vezes quis desistir quando me deparava com tantos detalhes das matérias específicas, de Fisiologia a Botânica e Química Orgânica. Mas com o passar do tempo os resultados dos simulados começaram a mostrar que todo o estudo estava valendo a pena. Contra mim, pesava saber que a maioria dos candidatos ao vestibular de Medicina já estavam na segunda ou terceira tentativa, além da pressão que eu mesma fazia sobre mim por estar correndo contra o tempo.
Depois de ter feito o ENEM, achei que meu número de acertos, ainda que não tivesse sido tão ruim, não permitiria que eu entrasse nas universidades que eu almejava. Por conta disso fiquei alguns dias muito mal e repensando toda a minha decisão. Mas resolvi usar esse percalço a meu favor e estudei como nunca para a segunda fase da UERJ, agora discursiva. Não me lembro de ter feito tantas questões e escrito tanto à mão como naquele mês entre as provas do ENEM e da UERJ. Contrariando o que eu mesma acreditava, por não ser nenhum gênio da Biologia e da Química, consegui passar para a UERJ na primeira lista de classificação, o que deixou a mim e a vários professores radiantes.
Não existe segredo para se passar no vestibular. Se eu pudesse resumir em algumas palavras-chave, seriam: planejamento, controle emocional, disciplina e persistência. E, obviamente, estudo. Por experiência de quem por muitos anos achou que não seria capaz de conseguir o feito de ingressar em uma faculdade de Medicina, fica a dica.
Um último conselho: se possível, não crie um prazo para passar. Por algum tempo coloquei na minha cabeça que eu só teria um ano para tentar, dadas as minhas condições financeiras. Quando finalmente me libertei disso e passei a acreditar que poderia levar um ano ou mais, o estudo começou a fluir e os resultados começaram a aparecer.
Bons estudos!